O plástico escondido nas coisas, por Cristal Muniz
Você já olhou ao seu redor e percebeu que praticamente tudo é feito de plástico? E isso não é por acaso. De fato, quase tudo hoje possui plástico em algum nível de sua composição, inclusive materiais que nem imaginamos (ou lembramos). Isso acontece, principalmente, porque o plástico é um material barato para a indústria e os impactos ambientais causados por ele não entram na conta de quem produz.
O plástico é um problema para o mundo por diversos motivos, mas hoje irei apontar dois dos principais:
1) Ele é um material durável e sua decomposição pode levar mais de 400 anos. Apesar da sua durabilidade, cerca de 50% de todo plástico produzido é usado para produtos descartáveis.
2) Não podemos contar com a reciclagem para lidar com esse problema, já que esse processo para produtos plásticos ainda é extremamente limitado. De todo plástico produzido até 2017, menos de 10% foi efetivamente reciclado no mundo, deixando 4,9 bilhões de toneladas desse material em aterros, lixões ou jogados na natureza. E, quando o plástico é de fato reciclado, ele sofre o que chamamos de downcycling: uma diminuição de valor e de qualidade através da reciclagem.
Estamos em um mês especial: o Julho Sem Plástico. Iniciada em 2011 na Austrália, essa campanha global serve de inspiração para trazermos mais informações sobre o problema da poluição plástica no mundo. Hoje, eu quero falar para você do plástico escondido nas coisas, aquele que talvez você nem saiba que existe, nunca tenha percebido que é plástico e aquele que, às vezes, nem vemos.
Lente de contato
As lentes de contato do tipo gelatinosas possuem uma espécie de plástico hidratado chamado Hidroxietilmetacrilato (HEMA) na sua composição. Repensar o uso das lentes de contato pode ser uma ótima opção a longo prazo, se for confortável para você, escolha lentes que sejam feitas a partir de outros materiais ou opte pelos óculos. Caso as lentes tradicionais sejam a melhor opção para o seu uso pessoal, fique atento às formas de descarte. Guarde-as em potinhos e descarte dentro de garrafinhas PET para facilitar a reciclagem. Você também pode descartá-las junto com o lixo tipo rejeito, mas não jogue suas lentes no vaso sanitário, pois dessa forma esses mini-resíduos podem contaminar diretamente o oceano.
Película em embalagens
Esse plástico é bem escondido, porque é uma camada fininha que existe em algumas embalagens. Essa película pode estar presente em latinhas de alumínio, como as de refrigerante ou cerveja, e fica em contato direto com as bebidas. Também podemos encontrar essa película em embalagens cartonadas, como as caixas de leite. Algumas embalagens de delivery feitas de papelão também possuem essa película plástica; ela serve para tornar o material impermeável. O mais surpreendente, para mim, foi descobrir que alguns papéis, principalmente os que embalam os lanches no delivery, também são cobertos com uma camada plástica.
No caso das latinhas de alumínio, essa película não inviabiliza a reciclagem, mas nos outros casos, sim! Por isso, é tão importante sabermos da existência do plástico nesses produtos, assim evitamos usá-los – especialmente se você é dono de um restaurante, por exemplo. Outro ponto é que esse conhecimento nos ajuda a reconhecer o greenwashing. Dessa forma, ficamos mais conscientes sobre o que realmente será mais sustentável.
Microplásticos em cosméticos
Microplásticos são partículas plásticas menores do que 5 mm, formadas a partir da desintegração de pedaços maiores desse material. Porém, elas também podem ser produzidas já em tamanhos microscópicos para a utilização em alguns produtos. O microplástico é um problema grave de poluição, já que suas pequenas partículas escapam no tratamento de esgoto, se misturam no meio ambiente e acabam sendo ingerido por animais, entrando em vários níveis da cadeia alimentar. Ainda não sabemos ao certo quais impactos isso pode causar à saúde humana, mas uma das hipóteses é de contaminação a partir de substâncias tóxicas.
Quando falamos em produtos que possuem microplásticos, geralmente estamos nos referindo a área dos cosméticos. Essas micropartículas passam a ser chamadas de microesferas e são ainda menores do que as citadas anteriormente: menos de 1mm. Geralmente, são usados com a função de esfoliação, abrasão, polimento de dentes e etc. É mais comum encontrá-los em pastas de dente e em esfoliantes, mas os microplásticos podem estar em desodorantes, hidratantes, repelentes e até na máscara de cílios.
Você pode procurar na composição dos cosméticos que você usa pelos seguintes ingredientes que costumam significar o uso de microplásticos: Polyethylene / Polietileno (PE), Polypropylene / Polipropileno (PP), Polymethyl methacrylate / polimetilmetacrilato (PMMA), Nylon (PA), Polyurethane / Poliuretano e Acrylates Copolymer. Esse site tem um guia mais detalhado com todos os ingredientes que podem ser microplásticos.
Além de evitar o uso de produtos que contenham plástico e buscar trocas mais sustentáveis, também vale pensar em soluções caseiras e simples, como fazer seus próprios esfoliantes caseiros.
Tecidos sintéticos
Falando em microplástico, precisamos falar sobre as nossas roupas. Sim, os tecidos sintéticos são feitos de plástico também! Eles até podem ter outros nomes, mas basicamente são plásticos. Como identificar: procure na etiqueta da roupa por poliéster, acrílico, poliamida e elastano.
As roupas de tecidos sintéticos liberam durante a lavagem as microfibras plásticas, que são ainda menores que as microesferas. Para você ter uma ideia, lavar na máquina uma peça de tecido sintético pode liberar mais de 1900 fibras de microplástico na água. Por isso, o ideal é lavar essas peças à mão. Outra opção é escolher um ciclo mais curto e delicado, usar saquinhos protetores que podem reter algumas fibras e usar água fria. O cenário ideal é evitar o uso de roupas de fibras sintéticas e optar por fibras naturais, como o algodão e o linho, ou fibras artificiais que sejam de origem vegetal, como viscose e liocel.
Recibos de compras
Papel térmico não é feito de plástico, mas sua impressão funciona através do aquecimento e de um plastificante comum e bem problemático: o Bisfenol-A (BPA). Esse composto é um dos motivos pelos quais devemos evitar o uso de plástico de modo geral. O BPA é considerado um disruptor endócrino, ou seja, ele interfere no funcionamento dos nossos hormônios. Já é possível encontrar diversos estudos sobre esse composto, e várias empresas já evitam o seu uso. Procure por embalagens que possuam o termo “BPA-Free”, ou seja, livre de Bisfenol-A. Aqui no Brasil, os produtos para crianças, como mamadeiras, não podem ter BPA em sua composição.
Essa é uma das razões que faz do papel térmico um material não reciclável: a possibilidade de contaminação por BPA. O contato frequente com esses papéis também pode gerar uma absorção maior desse composto no nosso organismo. Por isso, evite os comprovantes de compra e extratos do cartão sempre que possível, opte por suas versões digitais – e caso trabalhe com isso, prefira usar luvas para não encostar diretamente nesse papel.
Fio dental
O fio dental também é sintético e normalmente é feito de nylon, polipropileno e politetrafluoretileno. Já existem versões biodegradáveis feitas de milho e carvão ativado, por exemplo. Essa é uma troca interessante de ser feita, já que é um produto que não podemos parar de usar. Para quem ainda tem a versão sintética em casa: não jogue no vaso sanitário e evite o lixo comum, coloque os fios em uma garrafinha PET e envie para a reciclagem.
Bônus: outras coisinhas que podem ser feitas de plástico
O plástico é tão presente nas nossas vidas que ele acaba passando despercebido. Por isso, quis trazer mais alguns produtos que podem conter esse material em suas composições: tintas tipo resina epóxi, rolhas de vinho, esponjas de lavar a louça ou de banho, lenços umedecidos, balões, couros ecológicos, absorventes descartáveis, paninhos de microfibra, fitas adesivas, cotonetes e etc.
Pode ser angustiante saber todas essas informações, por isso é tão importante cada um fazer a sua parte. Não sinta que o jogo está perdido! E, claro, sempre podemos cobrar as autoridades para que as regulamentações sobre o uso de microplásticos, por exemplo, sejam diferentes. Compartilhe e se informe para que no ano que vem você seja uma das pessoas compartilhando alternativas no #julhosemplástico.
por Cristal Muniz do @umavidasemlixo